quarta-feira, 20 de maio de 2009

AMOR DE SAMAMBAIA



Morava no subúrbio, numa casa onde de bonito só a varanda. Apesar de pequena e sem graça, como o resto da casa, a varanda tinha um encanto: as samambaias. Verdes, saudáveis, as folhas longas escondiam o feio das paredes. As samambaias eram o orgulho da dona da casa.

Trabalhava numa confecção, num bairro chique, do outro lado da cidade. Todas as manhãs, levantava-se com a mesma disposição do dia, a de cumprir sua função na vida. Tomava um ônibus até o centro e outro até à confecção. Chegava, sentava-se à máquina de costura, recebia os tecidos já cortados e costurava. Ao seu comando, a linha seguia reta, sem um desvio sequer. Sem desvios também era o seu pensamento. O caminho de volta. A vida.

Chegava. Era a hora de que mais gostava. Levava o regador para a varanda. Acercava-se das samambaias e começava o ritual. Acariciava as folhas, passava-as pelo rosto, sussurrava intimidades. Como uma amante ao ouvido do amado. Era o mesmo com todas elas. Era sempre o mesmo. Sempre a mesma.

Um dia, alguém chegou. Assim como o dia chega. Sem sobressaltos. Magro. Tímido. Bateu à porta, pediu um copo d’água. Ficou na sede dela. Como ele era sem eira nem beira, ela continuou trabalhando. A única coisa que mudou foi o ritual das samambaias. Mal, mal, um copo d’água, todas as noites, no verão. No inverno, só três vezes por semana. Agora ela sussurrava em outros ouvidos. Foi assim até que...

Foi num dia em que ele fizera o que sempre fazia. E gostava. A mulher acabara de sair. Era a hora da esposa. Saiu à varanda, o sorriso de todos os dias. Postou-se entre as samambaias. Aspirou o ar da noite. Sentiu o quanto a vida era boa. Sentiu que algo lhe acariciava o pescoço. Uma folha. Estava em paz com a vida. Gostou da carícia. Sentiu cócegas. Tentou afastar a folha. Não conseguiu. A pressão cada vez mais forte. Ele sentindo-se cada vez mais preso. De repente, eram vários tentáculos verdes a asfixiá-lo, sugando-lhe a vida, levando-o ao desespero, tirando-lhe as forças. Resistiu até que...

Ela chegou. Estranhou. Ele não estava à porta. O sorriso não esperava por ela. Entrou. Saiu. Chamou. Procurou. Engraçado! Parou. Reparou. Na varanda, uma samambaia nova. Verde. Bonita. Saudável. As folhas escondendo o feio das paredes. Mas como? Ela não havia mais comprado samambaia desde que ele chegara!

2 comentários:

  1. samambaias sempre me possuiram em suas folhas longas e envolventes.....................são misteriosas, dominadoras.................sempre gostei delas me tocando o rosto................e entendo como podem consumir...................e consumiram....................

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  2. Rudolfo, deixar-se consumir faz parte da vida. É o preço cobrado pela paixão com que nos entregamos às coisas e às pessoas. É prazer e, ao mesmo tempo, perigo. O limite? Cada um sabe o seu. Abraços. Obrigada pela presença constante e agradável. Desculpe pelo atraso na resposta.

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